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Writings

The mind wonders...

Ir e Vir

O aeroporto é um ponto fixo, onde pessoas transitam. Pessoas vão cheias de objetivos. Elas voltam cheias de histórias para contar. Elas vão fugir do que as incomodam nelas mesmas aqui. E voltam repletas de si mesmas, fugindo da vida. Pessoas cegamente continuam seguindo seus objetivos. Peguei um avião e fui para Alemanha estudar. O aeroporto, um porto, entre o aqui e o lá, um bom lugar para o momento de ver para onde estou indo.

Fiz as malas, as carreguei, levantei vôo e pousei em Munique. Um novo ar e uma nova cultura se desabrochou para minha disposição. Lá, morei com pessoas diferentes e com hábitos estranhos, por alguns dias. Cada um em seu ritmo, amigos vinham e iam da casa onde a ordem devia ser mantida. Nessa cozinha o copo tinha seu lugar pré-determinado por milímetros. O prato deveria ser mantido na gaveta da direita exatamente a três milímetros da borda direita e a quatro da borda esquerda para estar centrado. A taça de vinho se encontrava dentro do armário na parte da esquerda, na frente e com muito cuidado para não ser guardada com um pingo de água restante nela. Era como se o copo fosse a única forma que a água pudesse ter.  Como se essa estrutura mental fosse a única forma que o mundo pudesse ter.

A cidade funcionava como quase nenhuma outra ousa. Ela era consideravelmente segura, os transportes funcionavam na hora certa, o trânsito era aturável e muitos bêbados vagavam, como em qualquer grande cidade contemporânea. A lei é lei, e coitado de quem não estiver exatamente onde a fila começa. Os que são de lá se revoltam com quem não está no lugar pré-determinado de todos os dias. Se eles entram em uma padaria tem um lugarexato que a fila para comprar o pão começa. Não importa nenhuma outra equação. Por exemplo, caso outra pessoa tenha entrado antes na loja, mas foi pegar um refresco no freezer. Como ela não estava no lugar da fila não pode ser sua vez. Essa é a lei social e caso argumentada eles é quem estão certos. Porém, não são apenas os de lá, mas também os de cá  que se comportam com um padrão semelhante que se extravasa de forma diferente.

Uma sala, um espelho. A oportunidade era dada para quem tivesse olhos e coragem de ver os filtros que pré-determinam o nosso caminhar. Por estar em um lugar diferente, vi no outro e encontrei em mim o que faço para estar aqui ainda. Estar aqui, rodando em círculos num passado que travou em minha alma um sistema de estar eternamente re-vivendo. Ver, re-ver e olhar a verdade de quem sou. Nem sei da onde vem a coragem de lutar contra o conhecido e se dar o luxo de ser e estar. Ver, re-ver e passar para outro lugar dentro de mim. Afinal eu sou vitima do mundo ou ele é vitima de mim?

Peguei um avião e voltei. Vou e volto para o mesmo lugar, para minha casa, um ponto fixo. Cheguei e quebrei um copo com água. A água agora escorre e assume várias formas por onde passa. Visitas vem e vão e continuam achando que só no copo a água encontra forma. Meu corpo, um porto, entre o aqui e o lá, um bom lugar onde posso passear.

Cristal Nitzsche